Carta a um homem-polvo
Começamos assim: Platão disse, no seu Banquete de 416 A.C, que um homem sem amor é como uma criatura que tem apenas a metade dos membros.
Eu acrescentaria, 2.424 anos depois, que um homem apaixonado é como uma criatura com membros duplicados - para cada dupla de pernas e braços, outra imaginária. É claro que, invariavelmente, o homem-polvo acaba por tropeçar nos seus cadarços invisíveis. Toda a segurança do homem sem amor, ainda que desmembrado, é consumida pelas labaredas do novo encontro.
A escolha é sua: trocar melancolia por insanidade.
O homem que ama ganha novos membros, mas sua auto-confiança é ceifada no primeiro silêncio de cinco segundos, na primeira negativa, no primeiro olhar para fora da mesa, assim, sem aviso. E com ela, desaparece a antiga paz de espírito, a placidez romântica dos celibatários que jamais se perguntam: “o que essa mulher estará pensando agora?”
Não vá se esquecer da sacerdotisa Diotima de Mantinéia, que ensinou à Sócrates: “o amor não é um deus, mas um grande demônio”. Demônio (dáimon, em grego) no sentido de intermediário entre o mortal e o imortal, entre a sabedoria e a ignorância - entre deuses e homens. De qualquer forma, você vai querer se aproximar dos deuses? Brincar de imortal?
Depois não diga que não avisei.
Você me pede conselhos, e aí vai: esse homem com membros em excesso não é nada sedutor. Ao contrário, quanto mais envolvido, menos atraente vai parecer. Então, vá com calma nos beijinhos pelas madrugadas insones, nas declarações desastradas e fora de hora, em ficar se esfregando na moça pelos corredores do apartamento e, mais importante, nos ciúmes que você tem dessa mulher. É claro que você não tem nada a ver com a vida pregressa dela – e de nenhuma outra.
Pega leve. Não se esqueça do plano B. Saiba que indiferença é combustível.
E quando começar a se sentir estúpido, burro, feio ou fora de hora, lembre-se dos seus dias de solidão. Quando você era capaz de se apaixonar instantaneamente pela mulher que lê um livro no banco oposto do trem, pela garçonete do pub irlandês ou pela menina sentada na calçada bebendo cerveja em litro – e para cada uma dessas adoráveis desconhecidas imaginar matrimônio, fidelidade eterna e filhos ruivos, mulatos e japoneses passeando no Parque Lage.
Você realmente deseja por fim a essa promiscuidade mental? À sensação de que pode trilhar todos os caminhos, adiando a escolha de qualquer um deles?
Meu amigo, seus objetos de desejo sempre serão independentes da sua vontade – essa é a graça, e a desgraça, do jogo. Dito isso, controle seu pendor para a tragédia. E se o buraco for incontornável, prefira ser tragicômico. Escreva poesia, cante árias de ópera no Baixo Gávea em domingueiras intermináveis, afunde-se em álcool e vomite pelas calçadas da Rua do Riachuelo. Pode me incomodar depois das duas, você sabe meu número.
Antes de desejar sorte ao amigo, só peço para que não faça do encontro marcado o caminho do cadafalso. Aconteça o que acontecer, jamais permita que essa moça veja o homem-polvo nadar nas próprias lágrimas.
Se é que você tem, aconteça o que acontecer, alguma opção.
[João Paulo Cuenca]
PS: Dedico esse post a todos aqueles que andam sentindo borboletas no estomâgo!
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Lagarta de Fogo
Quem é Laritz
Lara Fidelis. Jornalista, escritora, pisciana com ascendente em leão, mulherão e mulherzinha, mãe de gêmeos, cidadã, amiga, palhaça, amante, comparsa, sonhadora, valente, estabanada, avoada, riso frouxo, faminta de vida, bebedora de estrelas. Muitas em uma, única em muitas.
Pensamento do dia
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