28.2.09

Liberdade e igualdade

| Chamuscado por Laritz |




Executivo bem sucedido em Nova York, Harvey Milk decide buscar novo caminho ao completar 40 anos. Acompanhado do namorado Scott, muda-se para São Francisco, adota visual hippie e abre uma loja de material fotográfico na Rua Castro, no miolo de um decadente bairro. O ano era 1972, época de forte repressão aos gays, que eram perseguidos pela polícia, presos e até assassinados. Nesse contexto, ele sofre pressões de outros comerciantes para sair da área, mas não cede e inicia uma resistência que transforma a região centro de referência da luta contra a discriminação aos homossexuais.

Decidido a levar adiante a luta pela igualdade, candidata-se a supervisor da Prefeitura de São Francisco - uma espécie de vereador escolhido por regiões. Com coragem e ajuda de simpatizantes, realiza campanha com poucos recursos, baseada no boca-a-boca e na caça de votos nas ruas, entretanto não consegue se eleger. Não desiste e, após algumas tentativas, torna-se o primeiro gay assumido eleito para um cargo público. Parece pouco, mas Harvey Milk não passa de uma pessoa como eu ou você, porém destruiu pesadas barreiras e conseguiu contribuir - e muito - para uma vida mais humana e menos desigual.

Sua brilhante e curta trajetória é contada no excelente filme Milk - A Voz da Igualdade, dirigido por Gus Van Sant e indicado a oito Oscars. O líder gay é vivido por Sean Pean, em atuação extraordinária e merecedora do prêmio de melhor ator. A fita não endeusa Harvey Milk, ao contrário, mostra sua eloquência como ativista e também seus defeitos - eu diria que retrata até mesmo sua arrogância em determinados momentos. E esse é o grande barato: ver como uma pessoa comum consegue mudar o mundo apenas com determinação e luta. E o melhor é que boa parte da trajetória é mostrada com imagens reais.

Uma das lutas mais importantes foi contra a Proposição 6, do senador John Briggs - que previa a expulsão de professores gays e seus apoiadores das escolas públicas e tinha como sua principal porta-voz a preconceituosa cantora Anita Bryant, uma ex-garota propaganda de suco de laranja. Harvey Milk intuiu que seria uma verdadeira caça às bruxas, começando pelos gays e depois partindo para outras minorias, o que poderia se transformar em uma espécie de nazismo. É a velha história: a liberdade do vizinho é tão importante quanto a minha. Alguns comparam essa proposta à recente Proposição 8, que baniu o casamento gay da liberal Califórnia e que teria sido um excelente campo de batalha para o falecido líder.

Por sua atuação, Harvey Milk fez história na luta pelos direitos humanos. Deu a cara a tapa e injetou coragem em muita gente para sair do armário - e isso em uma época que homossexualismo era considerado doença e punido com repressão. Há quem o chame de "Martin Luther King dos gays", porém eu entendo que sua briga foi em prol de toda a humanidade, pois sua luta foi pela liberdade e pela igualdade.


Atenção: se não quiser saber o final do filme, interrompa aqui a leitura!

Harvey Milk foi assassinado em 1978 por um adversário, o também supervisor Dan White, um ex-policial homofóbico, eleito por um bairro conservador composto por maioria católica de descendência irlandesa. Em alguns momentos, o filme dá a entender que o opositor seria um gay enrustido - como na verdade ocorre com a maioria dos que usam a homofobia como escudo. Contardo Calligaris afirma, em ótimo artigo, que "muitos preferem odiar nos outros alguma coisa que eles não querem reconhecer e odiar neles mesmos".

Dan White sente-se obscuro com o sucesso do opositor gay, renuncia ao cargo, arrepende-se e, ao não ter o posto restituído, invade a Prefeitura e assassina friamente o prefeito George Moscone e o ativista Harvey Milk. Seus advogados alegam transtorno psicológico devido a uma dieta e ele é condenado a ridículos sete anos de prisão (cumpre apenas quatro, ganha liberdade e se suicida). O veredito, na véspera do aniversário de Harvey Milk, provoca violenta manifestação, conhecida como White Night Riot.

O escritor Aguinaldo Silva, homossexual assumido, escreveu um belíssimo texto sobre a importância de Harvey Milk. Ele diz: "Belos tempos aqueles em que cada um de nós tinha uma causa, e todas elas, mesmo as mais pessoais, tinham a ver com o futuro e a salvação do mundo: as mulheres queimavam sutiãs, os gays brigavam - às vezes de modo literal - pelo reconhecimento do fato elementar de que tinham direitos, e os negros aprendiam aos tropeções a ter orgulho da raça, sem imaginar que, 30 anos depois, todo aquele esforço lhes daria como prêmio a ascensão ao poder máximo de um afrodescendente."

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