6.7.09

Anos dourados

| Chamuscado por Laritz |

Eu era uma menina de apenas quatorze anos. Ao encerrar o primário, com os olhos voltados para o futuro, percebi que era hora de partir para um ensino mais forte, que me garantisse aprovação na faculdade e me livrasse de vez das enfadonhas aulas de economia doméstica do colégio de freiras onde passei da primeira à oitava série. Visitei algumas escolas e me apaixonei à primeira vista por aquele predinho da Rua Álvares de Azevedo, encravado bem no centro de Santo André. A propaganda dizia que o método adotado permitiria aprovação no vestibular sem necessidade de cursinho. Convenci meus pais que aquele seria o melhor caminho, eles aceitaram a mudança e, com o coração pulando de alegria, lá fui eu para o primeiro dia de aula naquele ambiente tão novo e atraente, frequentado pela juventude mais bonita da região.

Era o Colégio Singular. Os anos, os coloridos 80. Entre as roupas alegres da new wave e as batidas sujas do punk, vivi naquele espaço meus anos mais dourados, os mais intensos de toda a minha vida estudantil. Logo de início, um choque. Os professores falavam uma linguagem totalmente diferente da qual eu estava acostumada. Não eram mais freiras carrancudas ensinando Língua Portuguesa com meigos poemas. Eram mestres que nos estimulavam a pensar. Era um professor anarquista que nos mostrava que não era preciso memorizar datas, e sim entender e questionar a História. Era um professor de Física que nos ensinava a olhar os astros. Eram professores de Matemática, Química e Biologia que criavam, e não apenas nos obrigavam a decorar fórmulas e tabelas. Eram alquimistas que nos ensinavam a ser.

Ali eu cresci e me tornei mulher. Ali eu formei algumas das bases mais sólidas da pessoa que hoje sou. Ali eu troquei a Medicina pelo Jornalismo. Ali eu aprendi muito além do que era ensinado nas salas de aula. Descobri o que era pensar, descobri o que era protestar, descobri que existia vida fora dos muros, descobri que queria ser diferente, descobri que queria nadar contra a maré. Foi a época das primeiras contestações, dos primeiros grandes amores, dos primeiros amassos, do primeiro porre, das primeiras aulas cabuladas, das primeiras viagens em turma, das primeiras festas. Tudo era novo, tudo era excitante, tudo era singular! Vivíamos um turbilhão de emoções e descobertas, embalado por risadas, música e amigos.

Aqueles três anos tão intensos acabaram. Ficou um grande vazio no peito. Como prometido na propaganda, passei no vestibular sem necessidade de cursinho. Com dezessete anos, iniciei o curso de Jornalismo, esperando que o ambiente da faculdade fosse ainda mais excitante que o do colégio. Foi uma grande decepção! Aquela meninada colorida, alegre e bonita que lotava os pátios no intervalo foi substituída por um bando de bichos-grilos, que não se misturavam e passavam horas demonstrando sua pretensa intelectualidade. As festas não eram tão divertidas, as pessoas não eram tão amigas, as aulas não tinham a mesma graça. Era a vida adulta que batia à porta. Uma nova fase que se delineava, cheia de filosofias, de textos, de diferentes amigos, de coisas melhores e piores, de viagens, enfim, de crescimento.

Duas décadas se passaram, mitos foram derrubados, muita água rolou por baixo da ponte da história. Perdemos contato com o Singular, embora algumas amizades daquela época permaneçam fortes até hoje, pois ali eu também tive a sorte de cultivar algumas irmãs para a vida toda. As pessoas se espalharam por profissões, cidades, estados, países diferentes. Casaram, tiveram filhos, separaram, alguns partiram precocemente. E aquele mundinho colorido ficou guardado lá longe, como doce lembrança na memória.

Mas os tempos mudaram e surgiu a revolução da internet. A aldeia se globalizou e as pessoas voltaram a manter contato. A amizade adolescente ganhou o status de virtual e permitiu relembrar algumas boas reminiscências. Até que veio a surpresa: um grupo resolveu organizar uma festa de reencontro dos ex-singularianos da década de 80. A idéia tomou corpo e foi ganhando adeptos. Criou-se um site para reunir a turma, a novidade se espalhou boca a boca e antigos amigos começaram a surgir de todos os cantos. A cada nova carinha estampada no site, uma grande alegria tomava conta dos corações. Como era bom ter notícias de uma época tão maravilhosa! Que delícia recordar os momentos incríveis que vivemos juntos!

Foram meses de conversas virtuais, de fotos resgatadas dos fundos dos baús, de antigos amores relembrados, de aventuras revividas por trocas de mensagens. Em pouco tempo, 500 ex-alunos estavam no site. Começamos a contagem regressiva para a festa e, num piscar de olhos, chegou a grande noite. A expectativa era enorme. Quem estaria lá? Eu seria reconhecida? Conseguiria me lembrar de todos? Passaria a noite chorando de emoção? Ou apenas encararia o encontro apenas como uma tênue lembrança?

Chegamos, enfim, à festa. De dentro do carro, avistamos algumas amigas daquela época e percebemos que a emoção seria forte demais. Abraços apertados, crachás com nomes grudados nos peitos, andávamos por ali olhando cada rosto, buscando antigos retratos daqueles anos dourados. O clima era de pura alegria entre os mais de 200 ex-alunos presentes. Os amigos vibravam a cada reencontro. Os que não eram amigos na época também se confraternizavam. Nossos professores estavam ali, felizes por constatar como ajudaram a construir nossos futuros. Todos queriam conhecer as trajetórias de todos. Todos queriam que aquela noite não acabasse mais. Dançamos sem parar as melhores músicas dos anos 80, rimos à vontade, tiramos centenas de fotos. Não havia um único rosto que não sorrisse.

Foi uma emoção atrás da outra. Lá pelas tantas, um telão mostrou imagens do colégio em construção, dos professores, das turmas, dos passeios, das viagens, das festas... Eu era de novo aquela garotinha que arregalava os olhinhos negros para observar as revoluções da adolescência, e senti o mesmo acontecendo com cada um ali. Todos vibravam a cada foto, a cada lembrança, a cada abraço em um antigo amigo, a cada afago em um mestre. E o melhor: aqueles que moram longe também puderam acompanhar a festa em tempo real pela internet. Foi uma noite mágica, que terminou poeticamente com um café da manhã filosófico, na companhia de alguns amigos muito queridos e do nosso admirado professor de História, um daqueles fundamentais para a construção da minha personalidade forte e contestadora. Após os abraços e beijos de despedida, a única certeza: não podemos esperar mais vinte anos até o próximo encontro!

7 comentários:

virginia disse...

Lindo, lindo, lindo
embora não tenha sido citada, sei que também faço parte dessa história e de tantas e merecidas conquistas. Bjs. para todos os que também navegaram por esse maravilhoso oceano de vida e emoçães.

Laritz disse...

Você não foi citada, mas tudo isso aconteceu graças a você, que bancou meu sonho de estudar no Singular! Você me deu a chance de ser quem eu sou. Obrigada!

PÉRICLES repórter investigativo disse...

olá..tá votada. Legal o texto do singular, mesmo não tendo estudado lá - estudei no Américo Brasiliense. Deu vontade de ter ido...
bjos

Claudia disse...

Meus olhos se encheram de lagrimas relembrando os meus tempos de colegial....obrigada pelo texto lindo e por me dar o privilegio de ser sua amiga!!!!

KK
http://pinguimdgeladeira.blogspot.com

Alexandre Drago Kail disse...

Feliz por fazer parte dessa história!!! Adorei a festa também!!! E dos reencontros e das emoções, etc, etc.

Um grande beijo!

Virginia disse...

Que post mais lindo, fiquei emocionada! E tb muito feliz que vc se divertiu bastante ontem!

Bateu lá fundo o que vc escreveu sobre a diferenca entre o colégio e a faculdade. Comigo foi a mesma coisa!

Beijos!

Gabs disse...

Fiquei emocionada só de ler... imagino vc vivendo tudo isso.
Que bom que deu tudo certo e que a festa foi um sucesso. Fiquei muito feliz.

Beijocas

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