20.8.09

O dom de escrever

| Chamuscado por Laritz |

Mais que uma arte, escrever é um dom. Não é fácil transpor para o papel ideias e inspirações, muito menos torná-las compreensíveis para os leitores. Aprendemos uma Língua Portuguesa precária nas escolas, com pouca ênfase à redação e à compreensão de textos. Não se ensina a ler com a alma, não se ensina a amar as palavras, não se ensina a traduzir pensamentos. E o resultado é que a grande maioria mal consegue fazer o "ó" com o fundo do copo, quiçá produzir um parágrafo com começo, meio e fim.

Mesmo com anos de estudo, muita gente encontra dificuldade para escrever um simples bilhete, quanto mais um livro. Há pessoas com lindas inspirações, mas que não conseguem transpor os sentimentos para o texto. Para mim, escrever sempre foi algo que brotou das entranhas. Mal fui alfabetizada e já rabiscava meus escritos por aí. Com dez anos, venci um concurso de redação do principal jornal aqui da província e tive algumas poesias publicadas em outro. O papel sempre foi meu melhor amigo. Era (e é) ele que absorvia todos os meus pensamentos, sonhos, devaneios, alegrias, tristezas, angústias, mágoas, desejos.

Minhas gavetas sempre foram entulhadas de anotações, de frases, de poemas, de textos inteiros, de fragmentos, de calores, de palavras. E ainda continuam assim, repletas de papéis, pois, embora grande parte da minha produção esteja armazenada no computador, não vivo sem um caderninho na mão para anotar coisas que a princípio parecem sem nexo, mas que depois viram matéria-prima para meus escritos.

Apesar de escrever desde criancinha, relutei muito em tornar pública minha produção. Meu círculo me incentivava, mas eu pensava que aquilo era só meu e deveria continuar assim. Até que, num momento em que buscava revoluções profundas para minha vida, decidi me matricular numa oficina literária. Eu ansiava, basicamente, por liberdade. Queria soltar as amarras que me prendiam a pessoas e situações pesadas. E encontrei naquele grupo de escritores uma acolhida que me fez sair do casulo e virar borboleta.

Mergulhei em arquétipos, busquei no meu eu mais profundo minhas fomes, tranquei a timidez dentro do armário, visitei o abismo, virei minha vida de ponta-cabeça e, pela primeira vez, li em alto e bom som um texto meu - um que falava justamente sobre meu outro eu. A plateia arregalou os olhos, como que espantada com o que brotava de dentro daquela mulher de cabelos vermelhos e cara de burguesa. No final, aplausos me fizeram corar. Porém, me incentivaram a seguir em frente, tão em frente que pouco tempo depois eu venci o Mapa Cultural Paulista. E com um texto criado para uma oficina literária.

Por ter consciência do incentivo que uma boa oficina literária pode fornecer aos escritores de todas as idades e correntes, devorei com gosto a edição do caderno Mais, da Folha de S. Paulo de domingo. Há dicas valiosas para aqueles que desejam se aventurar pela literatura. A principal é ler. Ler muito, ler sempre, ler o que cair à mão, ler até bula de remédio. Ler sem medo, ler sem vergonha, ler com prazer.

Algumas sugestões são de cunho mais acadêmico; outras, mais voltadas à alma. O crítico Luís Augusto Fischer sentencia: "Leia como se fosse o psicanalista que ouve um paciente". O professor Luiz Antonio de Assis Brasil indica (e eu assino embaixo): "Use em abundância o ponto final". No entanto, foi o ótimo Marcelino Freire que deu os toques mais parecidos com o que sinto, vivo e penso. Ele recomenda:

PARA LER
1. Quanto mais um livro fizer mal, melhor.
2. Confortável precisa ser a cama, não a literatura.
3. Evitar lista dos mais vendidos.
4. Livro não é para ser entendido, é para ser sentido.
5. Desconfiar das dicas que te dão.

PARA ESCREVER
1. Cortar palavras.
2. Não usar gravata na hora de escrever.
3. Ouvir, mesmo que baixinho, a própria voz.
4. Desconfiar daquele texto que sua mãe gostou.
5. Ler e beber muito. E, no mais: viver.


Eu, particularmente, sigo o mestre Caio Fernando Abreu: "Se não gostar de ler, como vai gostar de escrever? Ou escreva então para destruir o texto, mas alimente-se. Fartamente. Depois vomite. Pra mim, e isso pode ser muito pessoal, escrever é enfiar um dedo na garganta. Depois, claro, você peneira essa gosma, amolda-a, transforma. Pode sair até uma flor. Mas o momento decisivo é o dedo na garganta."

Escolha palavras, descubra novos significados, pontue, respire, ouça os sons das letras e enfie tudo goela abaixo. E depois vomite frases, poesias, prosas, surrealismos... Enfim, escreva o que sentir! Leia, releia, corte, leia, releia, e aos poucos faça o acabamento. Mas lembre-se: use a alma para lapidar tudo isso.

7 comentários:

Mosana disse...

sábias e lindas palavras.. lembrei do q sua mãe me falou: "Não importa por onde você vai começar, se pelo meio, fim ou começo.. o importante é escrever.. depois você arruma, ou não o que foi escrito, mas tem que escrever."
:)
kisses

virginia disse...

Ah é bebé; mamar na vaca ce num qué, não?
Nunca mais elogio um texto seu. Tudo lixo made Paulo Coelho e outros,mas pior ainda, sem o dinheiro.
Estou vingada dos incentivos que lhe dei e dou pela vida afora. ''Sei que a frase não é sua, é emblemática para milhares de coisas, mas podia me poupar, né bebé?

guido disse...

Não há segredo. Escreve-se de duas maneiras. Com técnica, usando-se informações básicas no plano da realidade, do visível. Ou, com emoção, quando o invisível transparece no consciente. E aí se escolhe o caminho, sem segir nenhuma pegada, sem acompanhar mestre nenhum. Não somos sombras, somos nós e nosso pulsar na estrada da vida.

Eduardo Reina disse...

Já li, agora vou escrever.

Elaine Gaspareto disse...

Olá!
Sabe que eu morro de vergonha de dizer aos outros que gosto de escrever?
No meu círculo de amigos absolutamente nenhum sabe. Na família somente marido é que sabe e mesmo assim não o deixo ler muita coisa...
Serei doida?
Beijos, menina, e boa sexta-feira.

Vagner Lopez disse...

Wooow! A-DO-REI!
Eu também, quando criança, vivia rabsicando no papel. No início de tudo, eram só rabiscos mesmo [quando não sabia escrever] mas, com o passar do tempo, tornaram-se textos sobre a camada de ozônio e questões ambientais [isso aos sete, oito anos de idade].

Texto bacanérrimo. Uma ótima dica.

Um beijão pra você, Lara. Fique com Deus.

Claudia disse...

Meu portugues t'a enferrujado....."quica" nao se escreve " que sa'"???? Alguem joga uma gotinha de oleo pra ca, por favor?

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